quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Aprendendo com os Animais


PSICOLOGIA ANIMAL



JOÃO O. SALVADOR

Nem todos os cientistas têm a visão behaviorista que acredita que os animais, principalmente os cães sejam, simplesmente, máquinas impessoais de balançar o rabo, processando estímulos em respostas tão indiferentes, quanto convertem ração em fezes e sujam as calçadas. Para Descartes, que fez o homem senhor e proprietário da natureza, o animal não passa de um autômato, uma máquina animada. Assim, quando um animal geme, não é uma queixa, é apenas o ranger de um mecanismo que funciona mal, igual a roda de um carro com a pastilha de freio desgastada. O mesmo que comparar os gemidos de um cachorro dissecado vivo num laboratório com o ruído de uma peça mal lubrificada.



O homem é verdadeiramente bom, puro e livre quando respeita os que são mais fracos, os animais. Porém a crença de que herdou sua superioridade por força do "o poder divino”, produz nele o maior desvio de conduta. Apesar de escrito no começo do Gênese que Deus criou o homem para reinar sobre os pássaros, os peixes e os animais, não se tem a garantia de que Ele assim o desejasse, ou seja, que a criatura humana fosse tão distinta das outras. É bem provável que tenha inventado esse topo da hierarquia, usando-se de Deus para santificar o poder, conquistando o direito de matar com requintes de crueldade ou de maltratar os seres “inferiores” pelo abandono, pelo uso do sedém e pelo cambão; pela insanidade que mantém o lixo cultural das touradas ou da farra do boi; das práticas criminosas dos que vivem do tráfico de animais silvestres, que para torná-los calmos, deixam-nos presos, sem água, comida e até sem ar, num mercado que mescla ganância e crueldade, a faceta miserável humana; sapos, cobras, lagartos e outros bichos que viram “carvõezinhos” pelas queimadas ou incêndios criminosos.



A visão do Gênese mudaria completamente com a presença de um visitante de outro planeta, vindo com a ordem de Deus para reinar sobre as criaturas de todas as outras estrelas. Já pensaram o homem atrelado à uma carroça de um marciano reciclador, muitas vezes sem comer e beber o dia todo? Grelhado no espeto por um visitante da Via-Láctea, com certeza fa-lo-ia lembrar da costeleta de vitela que tinha o hábito de cortar em seu prato ou do leitão à pururuca, com uma maçã na boca. Correria, com certeza, pedir desculpas à vaca de Descartes.



Nietzsche, em 1889, quando viu diante de si um cocheiro espancando um cavalo com um chicote, se aproximou do eqüino abraçou-lhe o pescoço, e sob o olhar do cocheiro, explodiu em soluços. Na verdade, Nietzsche estava se distanciando dos homens, pedindo perdão por Descartes.



Para entrar no reino encantado do mundo animal é preciso “ler”, através dos olhos de um cão, um gato ou cavalo, para verificar que demonstram paz no meio onde muitos se sentem insatisfeitos e infelizes, autênticos consumidores de barbitúricos e de diazepans. Basta o convívio diário com os bichinhos para perceber que possuem reações inesperadas, pois planejam, enganam e revelam pensamentos, que vão além do instinto básico, sugerindo consciência, emoção e amor, coisas raras nos dias de hoje.



Acariciar cães, gatinhos e andar a cavalo é agradável e descansa o espírito. Ajuda a desenvolver o lado emocional, fazendo com que as pessoas ansiosas, insensíveis, arredias ou agressivas interajam mais com o próximo.


A docilidade natural dos animais domesticados favorece as atividades de cunho emocional, servindo, até, de um modelo pedagógico para ajudar no aprendizado de crianças especiais. Porém, o animal é reflexo de seu dono. Um amigo meu, cientista reconhecido internacionalmente, diz que quem não gosta de animais bom sujeito não é. Mas ninguém é obrigado a gostar, mas, sim, respeitar. Muitos adotam um animal e depois o abandonam.



Para Milan Kundera, em “Insustentável Leveza do Ser”, 1983, os cães são o nosso elo com o paraíso. Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o descontentamento. Sentar-se com um cão ao pé de uma colina numa linda tarde, é voltar ao Éden onde ficar sem fazer nada não era tédio, era paz! No Egito antigo o gato era considerado criatura divina, enquanto que aqui é maltratado, discriminado e rotulado de ladrão. Admiro o gesto da polícia militar que trata seus auxiliares caninos com dignidade e como heróis.


Admiro, também, a SPPA (Sociedade Protetora dos Animais) que faz, através de seus parcos recursos, de seus voluntários e da sua feirinha, o possível para amenizar o problema de abandono e maus-tratos. Afinal, será que existe um ser que não goste de carinho e respeito?

JOÃO O. SALVADOR é biólogo – Cena/USP
E-mail:

salvador@cena.usp.br


fonte: ABC Animal





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